Intervenções cardíacas fetais são procedimentos terapêuticos invasivos no coração do feto que visam melhorar graves condições clínicas decorrentes da presença de cardiopatias complexas diagnosticadas na vida fetal.
Não é possível curar a doença cardíaca do bebê com o tratamento intra-útero invasivo, mas é possível melhorar muito as condições de fluxos dentro do coração permitindo uma evolução mais favorável na vida pré e pós-natal (antes e depois do parto). O coração do bebê é tratado com o uso de cateteres com balões nas extremidades que desentopem válvulas e/ou abrem orifícios no coração do feto dependendo da anomalia de base. O procedimento é realizado dentro do centro cirúrgico por uma equipe multidisciplinar constituída do especialista em medicina fetal, do cardiologista fetal, do intervencionista e do anestesista. Este procedimento é realizado sob uma anestesia raquidiana para a mãe (a mesma utilizada no momento do parto) e, para que o bebê não sinta dor ou se movimente, uma solução anestésica é injetada no cordão umbilical ou na perna do bebê. Uma agulha de 15 centímetros de comprimento é introduzida pela barriga da mãe e, após atingir a cavidade uterina é direcionada para tórax do bebê até atingir o interior do coração. Quando a agulha é posicionada no local desejado (debaixo de uma válvula por exemplo), o balão é introduzido através da agulha e insuflado através da estrutura a ser dilatada. Todo procedimento é monitorado pelo ultra-som do coração, sem a necessidade de raio X. Terminado o procedimento a gestante fica 12 a 18 horas internada para observação e é liberada após uma nova avaliação pelo ecocardiograma fetal.
Basicamente são 3 tipos de procedimentos cardíacos realizados na vida fetal:
Valvoplastia aórtica fetal: este procedimento consiste na dilatação da valva aórtica do bebê (aquela que leva sangue do lado esquerdo do coração para todo o corpo) que se encontra muito apertada impedindo a passagem apropriada de sangue através dela. Nós chamamos esta doença de estenose aórtica crítica. Esta anomalia leva a consequências graves no coração fetal comprometendo significativamente a circulação sanguínea do feto, podendo levar a um quadro grave de hidropisia fetal (insuficiência cardíaca com inchaço generalizado do feto) e óbito. Na fase inicial da doença o ventrículo esquerdo fica muito dilatado e com muita dificuldade de bombear sangue. Caso a válvula aórtica persista fechada, o ventrículo é provável que o ventrículo pare de crescer, sendo que ao final da gestação todas as estruturas do lado esquerdo do coração (valva mitral, ventrículo esquerdo, valva aórtica e aorta ascendente) estão menores que o esperado, caracterizando a síndrome de hipoplasia do coração esquerdo. Em resumo, a valvoplastia aórtica previne o desenvolvimento desta síndrome, viabilizando o crescimento esperado do lado esquerdo do coração, permitindo que o coração funcione com seus dois ventrículos, o direito e o esquerdo. Além disto, a valvoplastia trata a hidropisia fetal, reduzindo em muito as chances de óbito na vida intra-uterina.
Valvoplastia pulmonar fetal: este procedimento consiste na abertura da valva pulmonar (aquela que sai do ventrículo direito e leva sangue para o pulmão) com o emprego do balão. O conceito é muito semelhante ao da valvoplastia aórtica. Quando a valva pulmonar está muito fechada e quase não deixa passar sangue através dela, o ventrículo direito tende a parar de crescer. A valva tricúspide muitas vezes apresenta insuficiência (deixa voltar sangue do ventrículo direito para o átrio direito), o que pode complicar a circulação fetal e levar a insuficiência cardíaca. O objetivo é restaurar o fluxo pela valva pulmonar com o emprego do balão abrindo a válvula. Com isso o coração direito passa a se encher adequadamente de sangue e volta a se desenvolver. Após o procedimento também se observa uma melhoria significativa no vazamento da valva tricúspide. Em resumo, o objetivo da intervenção é permitir que o ventrículo direito se desenvolva normalmente ao longo da gestação resultando em uma circulação pós-natal com 2 ventrículos, o que melhora muito o prognóstico da doença.
Atriosseptostomia: Este procedimento tem indicação menos frequente. Ele é realizado em casos bastante selecionados de síndrome de hipoplasia do coração esquerdo já instalada, nos quais o buraquinho entre os átrios, necessário para que o sangue que volta dos pulmões atinja o lado direito do coração, é muito pequeno ou até mesmo ausente. Nesta situação, como a valva mitral, o ventrículo esquerdo e a valva aórtica são muito pequenos o átrio esquerdo fica extremamente dilatado. Esta condição, se persistir na vida intra-uterina, impede que o sangue oxigenado atinja o lado direito no coração após o nascimento. Com isto o paciente apresenta taxas muito baixas de oxigênio no sangue, o que é incompatível com a vida. O objetivo da atriosseptostomia é criar um novo orifício no septo interatrial permitindo a passagem de sangue do lado esquerdo para o lado direito. Habitualmente este novo orifício é suficiente para manter condições mínimas de oxigenação nos primeiros dias de vida do paciente, levando a maior estabilidade clínica. Entretanto, nos dias subsequentes, a ampliação deste buraquinho se faz necessária e é obtida por meio de técnicas de cateterismo, no qual cateteres especiais são avançados através de uma veia localizada na virilha do bebê.
De modo geral, as intervenções cardíacas fetais são procedimentos muito seguros para a mãe, com riscos extremamente limitados. Entretanto, estes procedimentos podem desencadear trabalho de parto prematuro ou até mesmo levar ao óbito fetal, o que é infrequente. Por isto, a indicação deve ser discutida em detalhes com o cardiologista fetal.
Como já foi mencionado anteriormente, estes procedimentos não são curativos, e fazem parte de um planejamento de recuperação de ventrículos e preparo da circulação para a vida pós-natal. A depender da patologia, após o nascimento, o recém nascido será submetido a uma programação terapêutica que pode constar de cateterismo cardíaco e/ou cirurgia cardíaca.