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Comunicação interatrial (CIA) e seu fechamento pelo cateterismo terapêutico

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Comunicação interatrial (CIA) é um defeito cardíaco que está presente desde o nascimento, caracterizado por uma comunicação (buraco) entre as duas câmaras superiores do coração. Esta comunicação causa um aumento do fluxo de sangue que vai para os pulmões.

Geralmente as crianças, adolescentes e adultos jovens portadores desta doença apresentam poucos sintomas. Com o avançar da idade, podem aparecer cansaço fácil e arritmias (batimentos mais rápidos ou tropeços do coração). O diagnóstico é realizado pelo ecocardiograma. O ecocardiograma transesofágico ajuda muito a definir os detalhes anatômicos desta anomalia como localização, número de defeitos e a presença de bordas ao redor do orifício. Depedendo destas características anatômicas, esta lesão pode ser tratada pelo cateterismo cardíaco com o implante de próteses especiais semelhantes a um guarda-chuva duplo, evitando a cirurgia cardíaca. Neste caso o coração é atingido por um cateter que é introduzido na veia femoral localizada na virilha. O procedimento é guiado pelo ecocardiograma transesofágico que auxilia na escolha do tipo e tamanho exato da prótese. A prótese é introduzida no catéter e levada ao coração, sendo posicionada entre as duas câmaras superiores sob a visão do eco. Quando o dispositivo se encontra adequadamente localizado e, após a checagem se houve desaparecimento da passagem de sangue de uma lado ao outro, ele é desenroscado do cateter liberador. O índice de sucesso deste tipo de procedimento é bastante alto, acima de 95%. Este tipo de tratamento é realizado sob anestesia geral evitando que o paciente sinta qualquer disconforto relacionado ao ecocardiograma transesofágico. Em casos especiais em adultos, pode-se evitar a anestesia com o uso do ecocardiograma intracardíaco.

Infelizmente não são todas as CIAs que podem ser tratadas pelo cateterismo cardíaco. Esta técnica está restrita àquelas CIAs chamadas “óstium secundum”que estão localizadas na região da fossa oval e que apresentam bordas ao redor do orifício que permitam sustentar este tipo de prótese (aproximadamente 90% das CIAs “ostium secundum”). As CIAs chamadas “óstium primum”, seio venoso ou seio coronário só podem ser tratadas pela cirurgia cardíaca.

O procedimento de fechamento de CIA dura cerca de 1 a 2 horas. Ao término da intervenção o paciente é acordado sendo transferido para o apartamento. O período de internação é de aproximadamente 24 horas, e não há necessidade passagem pela UTI, a menos que haja alguma complicação maior.

As principais complicações deste procedimento são: embolização da prótese, isto é, a prótese sai do lugar e fica localizada em alguma outra estrutura do coração; formação de coágulos na prótese, que poderiam se desprender e ir até o cérebro, levando ao que chamamos de AVC isquêmico (derrame cerebral) e erosão, em que a prótese pode furar o coração e levar ao acúmulo de sangue entre as membranas que envolvem o coração (pericárdio). Felizmente estas complicações são muito raras e podem ser manejadas com sucesso pois, na maioria das vezes, elas ocorrem quando o paciente ainda está dentro do hospital. Vale lembrar que a chance destas complicações ocorrerem é menor que os riscos de complicações da cirurgia da CIA, que também incluem o AVC, o acúmulo de líquido no pericárdio, infecção e alterações do ritmo do coração particularmente em adultos.

Existem várias vantagens do tratamento percutâneo sobre o cirúrgico: curto período de internação (24 horas), ausência de cicatriz cirúrgica, o que tem aspecto cosmético e evita a dor do pós-operatório; menor chance de complicação e o rápido retorno do paciente e seus pais às suas atividades habituais que já podem ser reiniciadas 2 a 3 dias após o cateterismo. A fim de evitar um deslocamento acidental da prótese, se recomenda não fazer esportes em que haja a possibilidade de trauma no tórax por 3 meses. Após este período não há motivos para restringir qualquer tipo de atividade física ou desportiva.

As primeiras prótese implantadas para fechamento de CIA datam do início dos anos 80. Várias modificações no que se refere a desenho e qualidade dos dispositivos ocorreram nos anos subsequentes. Desde a metade dos anos 90 o fechamento da CIA pelo cateterismo se tornou rotineiro na maioria dos serviços de cardiologia pediátrica ao redor do mundo. Hoje em dia, com mais de 15 anos de experiência e seguimento dos pacientes tratados, é possível dizer que o resultado deste procedimento a longo prazo é definitivo. Em menos de 5% dos casos continua havendo uma mínima passagem de sangue através do septo interatrial. Isso acontece principalmente em casos mais complexos, em que as CIAs são grandes ou existem mais de um orifício, que pode ficar parcialmente descoberto pela prótese. Isto é o que chamamos de “shunt residual”. Na maioria dos casos estes pequenos shunts desaparecem com o processo de cicatrização com o passar do tempo, e caso eles permaneçam, são tão pequenos que não trazem nenhuma repercussão para a vida do paciente.

Alguns cuidados devem ser tomados após o tratamento percutâneo da CIA. Nos primeiros 6 meses, é necessário o uso de antibióticos antes de tratamentos dentários ou procedimentos cirúrgicos, a fim de prevenir a endocardite bacteriana (infecção no coração). Neste período o paciente também fará uso de AAS infantil para previnir a formação de coágulos ao redor da prótese. Costumamos fazer reavaliações clínicas, eletrocardiograma e ecocardiograma 1, 3, 6, e 12 meses após o implante. Passado o primeiro ano, as reavaliações são bem menos frequentes, podendo variar de 1 a 5 anos.

O tratamento da CIA com próteses é uma técnica consagrada, eficaz e segura, e por este motivo, não há justificativa para o tratamento cirúrgico nos casos em que a anatomia é favorável para tal. O Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista vem trabalhando junto ao Ministério da Saúde para que esta técnica se torne disponível também aos pacientes usuários do SUS.

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