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Procedimento Híbrido para a Síndrome de Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHCE)

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A síndrome de hipoplasia do coração esquerdo é uma das mais frequentes e graves malformações cardíacas que se manifesta clinicamente nos primeiros dias de vida. Ela leva a atrofia ou mau desenvolvimento das estruturas do lado esquerdo do coração.

Na vida fetal, os bebês portadores desta anomalia se desenvolvem muito bem, já que a circulação de sangue dentro do útero depende principalmente do lado direito do coração. Entretanto, após o nascimento, quando o bebê respira pela primeira vez e o cordão umbilical é ligado, o coração esquerdo passa a ser de grande importância para a manutenção da vida. Esta diferença entre a vida fetal e a vida pós-natal se deve particularmente devido a presença de 3 estruturas que desaparecem após o nascimento: a placenta, que faz o papel de levar oxigênio e alimento para o feto; o canal arterial, estrutura que funciona como um “conduto” que liga o ventrículo direito com a aorta, que é a artéria mais importante do nosso corpo; e o forame oval, que é um pequeno buraco na parede que separa os átrios e que comunica os lados direito e esquerdo do coração fazendo com que o sangue que vem da placenta seja distribuído para os 2 lados do coração.

Na vida pós-natal, o lado esquerdo tem a missão importantíssima de levar sangue cheio de oxigênio para as artérias coronárias que nutrem o próprio coração, e para a cabeça, onde se localiza o cérebro. Desta forma os dois órgãos mais nobres são irrigados pelo lado esquerdo. O bebê portador da síndrome de hipoplasia do coração esquerdo necessita, de alguma maneira, utilizar o ventrículo direito e a artéria pulmonar para fazerem o papel do lado esquerdo, que é muito pequeno e não funciona adequadamente. Para tal existem pelo menos 2 técnicas cirúrgicas, que podem ser empregadas dentro dos primeiros dias de vida: a operação de Norwood e o procedimento híbrido. O transplante cardíaco também é uma opção oferecida em alguns (poucos) centros no mundo, tendo como principal limitação a pouca disponibilidade de doadores e a sobrevida limitada do coração transplantado no período neonatal.

À partir do final dos anos 90 alguns grupos passaram a investir na técnica híbrida para o tratamento neonatal desta doença cardíaca. A técnica é chamada de híbrida por juntar 2 profissionais importantíssimos no tratamento das cardiopatias congênitas: o cirurgião cardíaco e o intervencionista pediátrico. Este último é aquele profissional que faz cateterismo cardíaco em crianças e que utiliza muitas técnicas para tratamento de defeitos cardíacos tais como balões, cateteres, dispositivos, próteses, entre outros implantados por veias e artérias, sem abertura do tórax.

No caso do procedimento híbrido para a hipoplasia do coração esquerdo, o cirurgião faz uma abertura no tórax do bebê de tamanho menor que as habitualmente realizadas para cirurgia cardíaca, e faz o que chamamos de bandagem das artérias pulmonares. Esta bandagem consiste em apertar os 2 ramos pulmonares com uma pequena argola que é costurada em volta deste vaso, fazendo que a quantidade de fluxo de sangue que vai aos pulmões seja reduzida pela metade. Depois desta etapa o cirurgião faz um pequeno orifício no tronco pulmonar (é o vaso que sai do ventrículo direito e leva sangue para os pulmões) e auxilia o médico intervencionista a colocar um stent no canal arterial. Este stent consiste em uma estrutura de metal que é aberta dentro do canal arterial com auxílio de um cateter que possui um balão em sua extremidade. Esta malha metálica tem como objetivo manter o canal arterial aberto, fazendo com que o ventrículo direito, o único que funciona nesta doença, leve sangue não só para os pulmões como também para todo o corpo, incluindo o cérebro e o próprio coração. Esta técnica tem como objetivo manter a circulação do bebê funcionando de maneira semelhante a que acontecia quando ele estava dentro do útero da mãe. Como já foi dito anteriormente, o bebê se desenvolve muito bem enquanto está na barriga da sua mãe, e o que observamos é que isto também ocorre na vida pós-natal, quando fazemos o procedimento híbrido. Após o implante do stent no canal arterial o tórax do bebê é fechado e ele é encaminhado para a UTI neonatal.

O procedimento híbrido tem a grande vantagem de ser mais simples, rápido e pouco agressivo, levando, teoricamente, a uma rápida recuperação pós-operatória e um curto tempo de internação na UTI. Além disto, não requer a utilização da circulação extracorpórea prolongada e de parada circulatória total quando se realiza a cirurgia de Norwood. Com isso, a criança sai com o seu tórax fechado, é capaz de respirar sozinha nas primeiras 24 a 48 horas após a cirurgia e praticamente não necessita de uso de remédios para manter a pressão arterial e estimular os rins. Sabe-se que a circulação extracorpórea prolongada tem muitos efeitos ruins para o organismo do recém-nascido, em particular para o cérebro e rins, podendo deixar sequelas irreversíveis.

Como complementação, após uma a duas semanas do procedimento híbrido, realiza-se a atriosseptostomia, que nada mais é que a ampliação daquele pequeno orifício na parede que separa os átrios (forame oval), permitindo assim que o fluxo que retorna cheio de oxigênio dos pulmões caia livremente no ventrículo direito. Este passo do tratamento é feito pelo cateterismo cardíaco e não requer a abertura do tórax, sendo realizado por um furo na virilha do bebê que permite a passagem do cateter que tem um balão na sua ponta. É um procedimento rápido que permite que a maioria dos bebês saia da sala de cateterismo prestes a retirar o tubo na garganta que auxilia na respiração.

Após a alta hospitalar, a família é orientada a retornar a cada 15 dias para acompanhamento clínico do bebê. Este seguimento é feito com consultas clínicas e ecocardiograma quando se verifica se está tudo andando dentro do esperado, se a criança está ganhando peso de forma adequada e se a saturação de oxigênio está dentro dos limites aceitáveis (entre 70 e 85%). Este seguimento é feito até o segundo estágio cirúrgico, que normalmente é realizado entre o 4o e o 6o mês de vida do bebê. Espera-se que o segundo estágio seja realizado com peso acima de 5-6 kgs, o que facilita muito a operação. Neste 2o estágio, que pode ser chamado de operação de Norwood-Glenn, o cirurgião cardíaco retira as bandagens pulmonares e o stent, transforma a artéria pulmonar em aorta (juntando as duas) e faz com que a veia cava superior (aquela que traz sangue pobre em oxigênio da cabeça) seja desviada diretamente aos pulmões. Com a criança mais madura e com peso corporal maior, este passo cirúrgico é feito com mais tranquilidade e segurança, sem a necessidade de parada da circulação, habitualmente utilizada na cirurgia de Norwood no período neonatal.

O último e 3o estágio é idêntico àquele realizado no tratamento cirúrgico convencional, e consiste em desviar o sangue da veia cava inferior, que traz o sangue pobre em oxigênio que vem da parte inferior do corpo para os pulmões, utilizando-se um tubinho artificial. Desta forma, o sangue que vem do corpo, pobre em oxigênio, é direcionado diretamente aos pulmões e o sangue que vem dos pulmões, rico em oxigênio, é bombeado pelo ventrículo direito para todo o corpo.

As figuras abaixo ilustram os primeiro e segundo estágios do procedimento híbrido para a hipoplasia de coração esquerdo.

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Figura I: Primeiro estágio do procedimento híbrido para a síndrome de hipoplasia do coração esquerdo.

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Figura II: Como fica o coração após o segundo estágio do procedimento híbrido para a síndrome de hipoplasia do coração esquerdo.

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